Coniunctio nº 4 Volume 2
*SONHOS: O Auto Retrato da Vida*
Por *Luciana Ruth Amaro*
"Somos da mesma matéria de que são feitos os sonhos;nossa breve vida está rodeada por um sono."W. Shakespeare."
Até onde podemos discernir, o único propósito da existência humanaé acender uma luz na escuridão do mero ser."C.G. Jung.
Como transpor algumas ignorâncias e trazer esclarecimento, luz para o nosso existir? E, para começo de conversa, o que todos nós andamos sonhando? Quais os nossos sonhos mais particulares e quais aqueles que respiramos coletivamente?
Essas são indagações dignas de respostas o melhor possível elaboradas, mas por não serem objetivo de tal escrito, serão um dia organizadas (com a colaboração de vocês interessados no tema, é claro).
Mas mobilizada por uma preocupação, acredito que se faz necessário um resgate. Partindo do pressuposto que espontaneidade caminha lado a lado com a criatividade, observo que muitas das queixas sentidas por pacientes, familiares e amigos devem-se a uma desautorização, bem construída, para lidar com aspectos incompreensíveis do ser.
Afixo o cartaz PROCURA-SE.
Por onde anda essa tal espontaneidade?
Capitulo-me assim por declarar ser a primeira a procurar por ela, e por imaginar que, dessa forma, estarei honrando com a mais primorosa característica do material que me proponho aproximar.
"Mesmo que apareça um símbolo essencial, ele raramente é experenciado e compreendido como grande e repentina iluminação; é mais freqüente um símbolo aproximar-sedo consciente por um processo simbólico."Verena Kast.
O sonho carrega essa espontaneidade porque ele nos interliga ao nosso lado irracional.
Para Jung, o sonho, em termos genéricos, é um auto retrato espontâneo, em forma simbólica, da real situação no inconsciente, e suarelação com a consciência é basicamente compensatória: destaca aspectos queo sonhador, em seu estado consciente, vê de maneira errada. Daí Jung sugerirque façamos a pergunta: como sentimos as imagens do sonho.
Ressaltando o caráter do sentir, Aristóteles (considerado uma autoridade no assunto sonho, na Grécia) definia sonho como o resultado da 'afecção docoração. E para ele o coração é a sede central das representações. Tomando o termo afecção, este significa doença, enfermidade, psicologicamente é a modificação no estado moral ou psiquíco de alguém, produzida por causas externas gerando ora um sentimento agradável, ora penível.'
Ora se, segundo Shakespeare, somos feitos do mesmo material que o sonho, e,já para Aristóteles, os sonhos são uma afecção do coração, criando um axioma a là fast food, poderíamos perguntar: o que afetam nossos corações? Ou, mais apropriadamente: o que estamos fazendo com o resultado das afecções em nossos corações? É certo de que estaremos sempre (muito pretenciosamente) metendo o bedelho aqui e ali, fuçando até achar o que parece ser o mais agradável, ou protestar, engabelar até ouvir o que queremos. Senão, não veríamos uma avalanche de pequenos dicionários de sonhos (alguns distribuídos pela Avon),uma enchurrada de pseudo-videntes dispostos a contribuir para esse mercado(uma mão lava a outra).
Certo, muito bem, os ânimos foram aquietados,confortados: não preciso mais me preocupar com o que diabos aquele sonho queria dizer, mas a máquina que produziria, a partir do sentimentodespertado, algumas representações, expressa as conseqüências por esse ato.Pagamos um preço. Não percebemos que aceitando a receita vinda de fora, do estrangeiro, ferimos a camada que protege o que entendemos por capacidade.
Delegando a um outro a responsabilidade pela decifração de alguns enigmas, claro, utilizando algumas desculpas como: 'não tenho tempo', ou (a que mais gosto): 'afinal, estou pagando para isso, não é?' distorcemos o que de fato nos trouxe, desviamos o foco, despotencializamos a nós mesmos por simplesmente nos distanciarmos de nosso mais íntimo vizinho, nosso inconsciente.
A lei do uso e do desuso é implacável! O preço a se pagar é o atrofiamento da máquina da representação. Mas é só o representar que seatrofia, a mente ao contrário perde todos os controles, dispersa-se em níveis estratosféricos ( graças ao mecanismo de compensação, aquele que regula a psique) em miúdos: o inconsciente engole o indivíduo. E não importa o quão forte ele (o coração) pode bater, correr, apressar, temos um anestésico, uma dose a mais, um sossega leão para driblá-lo, controlá-lo, derrotá-lo.
Para acompanhar o que pretendo construir, permitam-me um ir e um voltar um pouquinho.
O que você acha que mobiliza mais o ser humano? O sentimento de incapacidade(pelo fato de não conseguirmos lenitivo por nós mesmos) ou o que intrigou, despertou do tranqüilo sono, e que foi habilmente construído pelo material inconsciente? Pretenciosos como somos e intoleráveis para sensações dedesamparo, angústia, e principalmente deslocamento (sentir-se um peixe forad'água), (o inconsciente nos tira o solo!) qual o confronto a ser'escolhido'? E nos rejubilamos por 'escolher' (estou no comando).
Não tenham dúvidas: confrontamos, bravamente, o sentimento da incapacidade. Até porque não nos afasta do que é familiar, afinal nós o criamos. Mais apropriadamenteo elevamos ao grau de representação. Para o bom acompanhador: O que é isso? O que está acontecendo aqui? Não faz sentido falar agora de um sentimento que foi criado, manipulado.
Certa vez escutei de uma colega, também psicóloga, que não veríamos mais um Freud, um Jung nos dias de hoje. Aquele comentário me intrigou. O que esperamos? O que estamos fazendo afinal? O que sofremos com o efeito da secularização do conhecimentos da psicologia? E por que imaginar que tal efeito pode estar interferindo, interceptando a maior de todas as características de nossamente? A de pertencente a natureza.
Em 1934, Jung já dizia:
"os sonhos são natureza pura; eles nos mostram a verdade natural, sem maquiagens, e por isso se prestam, como nada mais, adar-nos de volta uma atitude que está de acordo com nossa natureza humana básica, quando nossa consciência se desviou demais de seus fundamentos e chegou a um impasse."
O que estamos fazendo com o próprio conhecimento de que dispomos, e que alardeamos possuir? Para todos: não nos enganemos, ele (nosso conhecimento) é o responsável por muito desse impasse.
Citando Fernando Pessoa: "veja a vida de longe, nunca a interrogue, ela nada pode dizer. Pois as respostas encontram-se além dos deuses."
Quem sabe não pode ser um começo não confundir apreensão com distorção e compreensão com escravidão.
Jung já nos alertava:
"A arte de interpretar sonhos não pode ser aprendida nos livros. Métodos eregras só são bons quando podemos prescindir deles. Só o homem que é capazdisso é realmente competente, só o homem compreesivo realmente compreende".(CW 10, Jung)
Como não submergir a uma fórmula e manter viva a experiência do sonhar comoum caminho para a compreensão da simbologia pessoal de cada um de nós? Minha idéia, e objetivo desse escrito, é mesclarmos atitude (aquela que Jung comenta, escrita na citação quatro parágrafos acima), aquela que nos lembra de nossa natureza básica: a humana, com a compreensão citada logo acima. A propósito, que compreensão é essa? Como entender, despertar uma compreensão que prescinde de fórmulas, métodos, e principalmente garantias (eu incluiria)? Que atitude humana pode fazer tal mistura?
Schopenhauer disse que há uma atitude, uma qualidade que sentida pelo homem possui o mesmo efeito que o calor na cera.
E acredito ser essa a atitude para nós necessária. Trata-se da gentileza. Senão vejamos. Como responder, ajudados pelo sentimento da gentileza, à pergunta: o que estamos fazendo com as afecções em nossos corações? Ah! Não se interpõe mais uma necessidade nem de apreensão, muito menos de resposta. Sobrevêm sim um sentimento que automaticamente une imagem onírica com representação nos capacitando a um simples sentir (espontaneamente), um passear com as cenas, movimentos, desafios, encantos, intensidades, incompreensão, angústia, respeito, dúvida, menosprezo... enfim, um manancial imenso, inesgotável de imagens/representações que por simplesmente serem sentidas geram sentido, transmitem, comunicam, criam outros sentidos, enfim nos interligam com o nosso lado inconsciente, lembrando que essa é a principal função do sonho. Hoje em dia só com doses cavalares (quanta gentileza esse animal transmite, não?) de gentileza sobreviveremos ao massacre que presenciamos todos os dias, todos os momentos às nossas raízes inconscientes.
(OBS.: Texto recebido por e-mail. Os questionamentos da autora são direcionados aos estudantes e aos seus colegas de psicologia e não propriamente ao público leigo!)
========Um show de texto!!!
Andy